A hanseníase embora seja uma doença milenar mas adentra em pleno século XXI, alimentada em grande parte pelas condições sócio-econômicas desfavoráveis, por gestões descomprometidas e por um baixo desenvolvimento tecnológico para dar suporte ao diagnóstico e tratamento. As múltiplas questões que envolvem a pobreza, como as moradias insalubres, a falta de saneamento, as condições de higiene precárias, o processo de exclusão social, as dinâmicas populacionais propiciada pelas imigrações intensas desenham um quadro difícil para o controle da doença.
Em se tratando do Pará que dispõe de uma área de 1.247.702,7 km² e 7.431,041 habitantes, segunda maior região da Amazônia e com densidade demográfica de 5,59 hab/km² representando cerca de 20% da população da região, cuja maioria da população segundo o censo de 2000, 66,5% da população total reside em áreas urbanas (Cadernos de Saúde/DATASUS/MS, 2008).
No Pará, o modelo de desenvolvimento implantado na Região priorizou a ocupação desordenada do território com a exploração dos seus recursos naturais secundarizando as populações locais com suas culturas específicas, seus modos de interagir com o meio, suas crenças e, sobretudo com suas formas de produção e reprodução social. Dessa forma, foi estimulado o adensamento populacional em alguns núcleos urbanos da Amazônia, para subsidiar a implantação de projetos econômicos descontextualizados da vida local e sem trazer retorno social. Assim, muitos dos municípios paraenses não dispõem de infra-estrutura urbana adequada, como saneamento básico, habitação, saúde e educação.
O Estado do Pará tem atualmente 144 municípios que em sua maioria são de médio e pequeno porte, não conseguindo prover bens e serviços a sua população, dependendo dos repasses do FPM e ICMS além de outros convênios governamentais. Recentemente, o valor global dos programas de Transferência de renda e seguridade social tem propiciado movimentação econômica nos municípios, estimulando o comércio local.
O Estado que abriga uma biodiversidade incalculável e detém um potencial científico e econômico sem paralelo, situado no maior corredor de florestas protegidas do mundo, com mais de 717 mil km² (cerca de 71 milhões de hectares); tem 13,8% de sua população cadastradas no Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome- MDS como famílias com renda mensal de até meio salário mínimo em Julho de 2010! E olha que no Pará está a segunda maior mineradora do mundo e a maior produtora de minério de ferro do mundo. Assim, a questão da segurança alimentar no Estado é um desafio e que contraria a idéia de uma terra abundante e sem fome. Na verdade trata-se de um Estado rico e uma população pobre!
Tal grande quanto a sua diversidade ambiental está a desigualdade social, o Pará que “produz” está concentrado em 15 municípios que detém os maiores PIB´s do Estado, segundo a Secretaria de Orçamento e finanças- SEPOF. È um Estado de dimensões continentais cuja mobilidade social, o acesso ás informações, as condições geográficas, as condições histórico-culturais e econômicas são completamente distintas de região para região. A população paraense sobrevive do extrativismo vegetal como a madeira, o açaí, da pesca, da agricultura, sobretudo a familiar e do cargo publico, além dos programas de transferência de renda e seguridade social.
Mas, como região de expansão de fronteira agrícola, tem desde o período áureo da borracha alimentado o sonho de milhões de outros brasileiros que tem se deslocado para a região em busca de melhores condições de vida e oportunidades de trabalho. A migração é uma realidade no Estado e a cada novo Grande Projeto Econômico, uma leva de imigrantes desloca-se para o território paraense, competindo com os serviços de saúde, educação, pressionando por moradia, trabalho, lazer, etc...
A hanseníase é uma patologia que adentrou ao território Paraense desde meados do século XIX e desde então tem se constituído um problema de saúde pública. A hanseníase,é uma doença com baixa patogenicidade, mas alta infectividade, cuja transmissão tende a ocorrer a partir do contato contínuo e prolongado do indivíduo infectado com o indivíduo são, impõe-se ações que contemple também a coletividade. Importa assim, desenvolver estratégias que possam promover a saúde e o bem-estar das pessoas que mais diretamente estão sob o risco de contrair a patologia: os contatos. Que segundo o Ministério da Saúde, o foco deve ser o contato intradomiciliar, que é toda e qualquer pessoa que resida ou tenha residido com o doente de hanseníase nos últimos cinco anos.
Segundo informações do Ministério da Saúde, em outubro de 2009, havia o registro de 4.032 estabelecimentos de saúde no Pará. Destes, 55,23% são estabelecimentos públicos, perfazendo 2.227. A iniciativa privada detém 55,23% do total, com 1760 estabelecimentos. Tais dados demonstram que é sobretudo o setor público o responsável por garantir a saúde no Estado do Pará, isso é mais verdadeiro no interior do Estado, já que a iniciativa privada tem se concentra-se na Região Metropolitana de Belém- RMB, com atuação reduzida no interior do Estado disponibilizando atendimentos em consultórios particulares, nas policlínicas e nas unidades de Diagnose e Terapia.
Doença crônica de evolução lenta e insidiosa com grande poder incapacitante tem avançado na região, a despeito da implantação do Programa de Controle da Hanseníase em praticamente toda a Atenção Básica do Estado e das capacitações técnicas para profissionais de saúde do SUS. Sabendo-se que a saúde no Pará depende quase na sua totalidade dos serviços publicos de saúde do Estado nas suas duas esferas administrativas, municipal e estadual. Sabendo-se que a maioria dos profissionais de saúde está desenvolvendo suas atividades em órgãos de saúde públicos. E mesmo que a cobertura de saúde não seja a ideal (segundo o Ministério da Saúde, em agosto de 2010 havia o registro de 915 Equipes de Estratégias Saúde da Família com a cobertura de 41,23% famílias e 13.752 ACS cuja cobertura populacional alcançava 6.074.320 famílias paraenses), mas diferentemente de outros Países, tem-se um sistema de saúde e uma rede de serviços implantado. Tem-se mapeado no Estado os municípios com maiores incidências e os municípios com maiores registros de menores de 15 anos e esse é um indicador grave e importante que demonstra o descontrole dos serviços de saúde sobre a doença.
Então, como compreender a dificuldade de controlar o avanço da doença no Pará? Me parece que um conjunto de fatores podem explicar essa dificuldade:
- As dinâmicas populações das imigrações facilitando a disseminação e o controle da doença
- O desconhecimento real da população residente no Estado, sobretudo nas áreas mais distantes e de difícil acesso
- As condições sócio-econômicas, insegurança alimentar e de saneamento ambiental;
- Dificuldade de acesso aos serviços de saúde tanto das populações dispersas ao longo do território como as localizadas nas periferias dos centros urbanos;
- O desconhecimento e estigma que envolve a doença;
- Baixa cobertura e efetividade da Atenção Básica no Estado;
- Programas de Saúde na Atenção Básica desarticulados;
- Numero reduzido de profissionais atuando nos municípios mais distantes do Estado;
- Pouco comprometimento dos profissionais de saúde;
- Gestões descomprometidas, incluindo gestores e gerentes;
- Predomínio da atenção curativista em detrimento de ações preventivas;
- Políticas sociais atuando de forma desarticulada como por exemplo, saúde, educação e assistência social, sobretudo esta última que trata de pessoas em vulnerabilidade social;
- Doença assintomática na fase inicial;
- Ter o diagnóstico clínico sem um suporte diagnóstico que não seja a acuidade visual do técnico de laboratório;
- Percepção e cuidados com o corpo recortada pelos contextos de gênero, situação sócio-econômica e cultural fazendo com que determinados grupos sociais não atentem para os sintomas iniciais da hanseníase.
Como pensar ações mais eficientes diante de um contexto sócio-econômico, cultural e ambiental tão diverso sobretudo por a hanseníase ser uma doença estigmatizante, fazendo com as pessoas acometidas pela hanseníase ocultem o fato da família, ocasionando, muitas das vezes a disseminação da doença?. Por outro lado, os serviços de saúde, ainda focados, no aspecto da assistência da saúde, em especial diagnóstico e tratamento, tem dificuldades em implementar ações voltadas a prevenção e promoção da saúde. Uma vez que saúde compreende-se não somente em seus aspectos físico-biológicos, mas as dimensões sócio-econômicas, políticas e culturais. E nessa discussão sobre os determinantes e condicionantes sociais deve ser enfatizada a questão da vulnerabilidade social. Algumas ações têm sido feitas outras tem sido pensadas, mas sem um esforço coletivo das instituições estatais, sociedade civil organizada e organizações comunitárias e religiosas, fica difícil em um Estado com dimensões continentais com realidades tão diferentes, sócio-econîomicas e de acesso, controlar o avanço da hanseníase.
Assim, me parece que faz-se urgente desenvolver ações que considere as dimensões individuais das crenças, dos valores, dos mitos e atitudes; as dimensões sócio-econômicas e culturais e as dimensões das práticas institucionalizadas da saúde como o aumento da oferta de serviços, melhorar o acesso e qualidade dos serviços, integração entre prevenção, promoção e assistência, aumentar o numero de profissionais qualificando-os para lidar as especificidades da doença e da região; articular com outras organizações estatais e não estatais. Portanto, é preciso trabalhar as interfaces entre informações com qualidade e consistência, formação de agentes e um serviço qualificado para responder as demandas geradas, além de termos gestores, que não vejam a questão da hanseníase como uma questão de pobres e que se dissemina como outras tantas entre os filhos dos pobres. Que estão sendo mutilados silenciosamente, incapacitados para o trabalho e se afastando da vida social, alimentando todo um estigma e preconceito.
É Preciso conhecer o tamanho do problema, para poder enfrentá-lo com coragem!